Ok. Essa é importante, vamos lá.
Num roteiro cinematográfico, qualquer que seja o gênero, um dos erros mais imperdoáveis que se pode cometer é contar ao invés de mostrar. O cinema é uma mídia visual, o que vemos na tela é essencial, muito muito muito mais do que o som. Por isso muitos filmes mudos até hoje são extremamente impactantes. Claro, com o advento do som a qualidade da experiência em geral melhorou substancialmente. Mas não mudou em nada a essência do que é o cinema.
Um filme é uma estória mostrada. Um livro é uma estória contada.
Quando contamos uma estória no cinema, ou seja, usamos nossos personagens para comunicar à platéia o que se passa na trama, estamos não só menosprezando a capacidade intelectual dos espectadores, estamos enfraquecendo a própria estória.
Toda cena deve ser criada com o único objetivo de mover a estória adiante, certo? A cena deve conter elementos visuais explicativos que explicitem o rumo que escolhemos dar para os personagens. É horrível quando existe na cena um personagem explicando o que está acontecendo, demonstra a fragilidade do roteiro.
Exemplo: O personagem recebe pelo correio uma chave sem nenhuma identificação. Depois de várias cenas, ele encontra um pequeno baú trancado. Aí ele diz “já sei, vou usar a chave que recebi pelo correio para destrancar o baú! Só pode ser isso!”.
Ao invés de falar o óbvio, a cena deveria ser o personagem procurando a chave em seus bolsos e então usando-a diretamente. A platéia é inteligente o bastante para lembrar que aquela é a mesma chave que ele recebeu pelo correio.
Que fique claro, não estou dizendo que o diálogo é inútil, pela madrugada, não coloquem palavras em minhas mãos! O diálogo é uma parte essencial de qualquer roteiro. Mas a função do diálogo é revelar informações sobre personagens, não sobre a estória. Se o José cai no lixo e o colocamos falando “Putz, caí no lixo, então agora vou precisar de um banho” é uma coisa. Se o fazemos falar “Lixo de rico. Até que é cheiroso.” é outra totalmente diferente.
Evitar contar a estória num roteiro vai salvá-lo, acredite em mim. E eu resolvi falar sobre esse tópico hoje porque o meu roteiro de ficção científica chegou num ponto em que não tenho como avançar sem contar o que está acontecendo. Ainda nem comecei a escrever e já sei que isso não vai dar certo, de jeito nenhum. O que acontece é que, infelizmente, para contar a estória que eu comecei a esboçar, não existe maneira diferente de fazê-lo. Só me restam, então, duas opções: ou transformo o roteiro em livro ou mudo a estória. E estou pendendo mais para a segunda opção.
Eu tenho personagens que eu adoro e dos quais não quero abrir mão. O universo que criei é também bastante interessante (ainda que precise de um bom polimento). Então, não me resta escolha a não ser voltar para o planejamento inicial e começar do zero.
Essa é uma outra lição que fica. Aquilo que idealizamos em nossas cabeças nem sempre é realizável na hora de colocar no papel. Por isso é tão importante que escrevamos nossas idéias conforme elas surgem. Eu não fiz isso e agora terei que fazer um grande “retorno”. Pelo menos não é pela contra-mão.
Abraços e até breve!